quarta-feira, junho 12, 2002

Lágrimas verdadeiras
Uma coisa jamais poderá ser negada aos argentinos: a capacidade que têm de viver tudo intensamente - principalmente o futebol. Talvez esse seja o principal motivo da "rivalidade" que temos com eles, e vice-versa, a sensação de que há pouco espaço no continente para dois povos chorões. Eles nos superam, mas não na paixão futebolística (que é igual)e sim em termos de dramaticidade e é na música. Enquanto a imagem que temos no exterior de brasileiros é de sambistas animados com pandeiros e camisas listradas em vermelho e branco, sempre que se fala dos hermanos a trilha sonora é a mesma: um tango triste, quem sabe de Astor Piazzola.
Não acredito que haja brasileiro que não tenha sentido uma ponta de arrependimento ao ver os torcedores argentinos dando abraços de velório uns aos outros - aquele típico abraço em que o abraçador tenta passar força para o abraçado mas na verdade está pedindo ajuda também. Sair tão cedo de uma Copa onde eles eram favoritíssimos, e talvez o melhor time, sim, foi algo cruel demais para um povo que tem sofrido horrores desde novembro do ano passado.
Ver o marrento Batistuta se quedar em choque, no gramado, ver Ortega - que perdeu um pênalti decisivo e foi salvo no rebote por Crespo - sair de cabeça baixa, tudo isso teve uma dimensão gigantesca. Me recordou imediatamente a despedida lacrimosa de Diego Maradona, os escândalos de Menem que se seguiram à esperança de novos dias, as lágrimas de Dieguito na final de 1990, a chegada de Alfonsín ao poder significando o fim da ditadura militar, a derrota nas Malvinas, todos aqueles desaparecidos descritos nos livros de Tomás Eloy Gutierrez. Me deu uma sensação de América Latina - um lugar que é aqui do lado e que a bem da verdade quem é brasileiro não consegue entender o que é (apesar de pertencermos geograficamente a ela).
A derrota da Argentina é mesmo como um final de batalha triste em que - por incrível que pareça - o vilão venceu. Por mais que tenhamos rivalidade, é inegável que termos a apolínea Suécia na Copa e não a dionisíaca Argentina, com seus brasileiríssimos (!) craques, é uma vitória dos vilões do futebol. Nós, que passamos tanto tempo criticando nossa própria seleção, nossos técnicos, por terem uma postura de futebol feio - cabeças de área, três zagueiros ruins, atacantes sem talento de Romário - não podemos comemorar assim tão efusivamente um fato desses. A Suécia está na Copa. Lá vem aquela retranca de novo, que enfrentamos em 1994 e suamos para fazer dois gols em dois jogos chatérrimos.
E a Argentina não está mais na Copa. Lá vai, para o cadafalso dos sonhos, as imagens de grandes confrontos, como o 0 a 0 de 1978 em Mar Del Plata, mais emocionante que qualquer vitória sueca. Lá vai embora a Argentina, levando as lembranças do 3 a 1 de 1982, com show de Zico e Júnior. Lá se vão os hermanos, que em 1990 nos fizeram chorar com Caniggia.
Sim, não podemos ser cínicos a ponto de negar que estamos felizes e meio vingados pela saída prematura da Argentina - nossa porção "patriotada", aquela porção Galvão Bueno, agradece. Afinal, quantas capas do Olé, quantas chacotas, tivemos que aturar até termos esse momento de terrível humilhação para os eternos rivais?
Agora, não posso deixar de me solidarizar com Borges, Cortázar, Piazzola e tudo o mais que aquele país ao Sul já produziu de bom, não posso deixar de admirar essas lágrimas verdadeiras dos portenhos - lágrimas de um drama de verdade, e não aquela indiferença francesa irritante do "Copa, que Copa?" pronunciada por franceses entrevistados em Paris depois da derrota para o Senegal. Provavelmente a mesma indiferença dos suecos, muito mais experts em revistinhas de sacanagem do que em futebol.
Sim, ficou mais fácil para nós, sem eles no caminho. Mas será que quem gosta MESMO de futebol fica totalmente feliz? Seria mais difícil para nós com os argentinos no caminho, assim como seria mais difícil para nós se tivéssemos Romário no ataque, um craque fora de forma - mas um craque.
Um dia, espero que ainda longe, o gosto pela facilidade ainda vai matar o futebol.

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